Coleção A. Cachola
Artistas: Isabel Cordovil.
Curadoria: Ana Cristina Cachola.
Barcas: Artworks
Direccao técnica e iluminação: Diogo mendes
Composição e Direcção de som: Tiago Sampaio
Agradecimentos: António Cachola, Florinda burrinhas, Patrícia Machado, equipa do MACE, Pedro Guimarães, Maria Torrada e toda a equipa, Nuno Candeias, Balaclava Noir, Galeria Pedro Cera, Artworks, Liliana Santos, Câmara Municipal de Elvas, Bombeiros de Elvas, Marco Martins, Joana Lourenço, e aos meus pais.
Local: Cisterna da Cidade
Horário de funcionamento:
3ª feira a 6ª feira: 10h00 – 14h00
Sábado e Domingo: 10h00 – 13h00 / 15h00 – 18h00
Folha de sala
Um Lugar Chamado Sob
Um lugar chamado sob, o título escolhido por Isabel Cordovil para a sua instalação comissionada pela coleção A. Cachola, apela imediatamente a uma ideia de subsolo, mas (re)conhecendo a poética do sobrenatural da artista, é o submundo, as suas paisagens, objetos e personagens que esperam. A morte chamo-nos, não para nos levar, mas para a contemplarmos. É uma morte velha, a morte da passagem, das barcas e moedas, porque a morte não é uma estória, e cada um conta a que quer.
O lugar chamado sob tem uma origem bélica pois é a grande cisterna de Elvas, construída em 1650, à prova de bomba, e com capacidade de abastecer a cidade durante quatro meses de cerco. Uma morte espectral vem, assim habitar uma estrutura desenhada para a sobrevivência durante a guerra. Que fantasmas pairam nesta cidade militar? Charon, figura da mitologia grega na qual surge como barqueiro que transporta a alma dos mortos para o julgamento final de descanso, estará presente ou ausente? Não se estabelece entre estes dois modos de existência – presença e ausência – uma relação contrastiva ou de antinomia, nem a sua (aparente) oposição resulta de uma operação estruturalista, na medida em que os dois elementos atuam como estratégia, contendo, numa lógica inter-relacional, uma função transitiva: a presença acontece pela ausência e vice-versa. A imagem de Charon, a função de Charon, a ideia de Charon preenche a velha cisterna, mesmo nunca se vendo.
Isabel Cordovil mostra-nos a morte como este lugar de contemplação e reflexão. Pode não ser a nossa hora, mas é hora de pensar nisso. As canoas vazias são índice de isso mesmo.
Durante o século XV, popularizaram-se na Europa os textos conhecidos por Ars Moriendi (arte de morrer em latim), em que se apresentam conselhos e procedimentos para uma “boa morte”, de acordo com a doutrina cristã. À arte de morrer corresponderia o selar de acordos, o participar do conjunto de valores morais, éticos e religiosos estabelecidos, o passar em revista a vida e ficar em paz, uma redenção consciente. Uma morte violenta será, por outro lado, aquela que, acontecendo de forma súbita ou inesperada, não permite o derradeiro balanço, o exame de consciência final. Ivan Ilyich, célebre personagem de Tolstoy, depois de confrontado com a evidência da morte, torna-se espectador da sua vida passada, (re)vendo-a e reconciliando-se com ela, e “em vez da morte, era a luz” que surgia à sua frente. Esta ideia de revelação – de algo se tornar visível – no momento da morte atravessa o imaginário coletivo ocidental.
A história da arte (contemporânea) está carregada de referências a esta relação. De Francis Bacon a Tracey Emin a morte enquanto tema, seja pela aparência espetacular que assume na contemporaneidade, ou por uma reiteração da mortalidade humanamente congénita, insinua-se como (omni)presença. A pulsão da morte transcorre o gesto artístico, havendo fins constantes para perdas no caminho, as ideias de fim. Neste caso, Isabel Cordovil interessa-se pela passagem, esse momento intermédio e decisivo. Não por acaso, a artista se dedica com entusiasmo à fotografia. No campo da fotografia a proximidade com a morte é ainda mais radical. Roland Barthes, num dos textos fundadores da teoria da imagem fotográfica, defende mesmo que deixar-se fotografar é entregar-se a uma “microexperiência da morte”, tornar-se “verdadeiramente espectro” A morte é assim o “eidos da fotografia” ao repor uma presença que é irremediavelmente ausência.
Em Um lugar chamado sob acumulam-se predicados e se rasuram-se sujeitos. O filósofo inglês Simon Critchley afirma que a morte resiste radicalmente à ordem da representação, que todas as representações da morte são deficitárias, e representam sempre uma ausência. Nesta exposição de Isabel Cordovil, tudo o que sabemos sobre essa ausência é que nunca deixa de estar presente.
Sobre a Coleção A. Cachola
A Coleção A. Cachola dedica-se exclusivamente à produção artística visual portuguesa, sem balizas disciplinares ou temáticas, dando especial enfoque aos artistas portugueses que começaram a produzir na década de 1980 e acompanhando a criação contemporânea nacional até aos dias de hoje. Em constante atualização, encontra-se em depósito no MACE, partilhando com este a missão de estabelecer um diálogo territorial, a vários níveis.