Coleção Marin Gaspar
Artistas:
Bárbara Fonte
Carla Cabanas
Carla Rebelo
João Penalva
Vasco Araújo
Tatiana Macedo
Tiago Rocha e Costa
Curadoria:
João Oliveira Duarte
Mariana Marin Gaspar
Local: Casa da Cultura
Horário de funcionamento:
2ª feira a 6ª feira: 10h00 – 17h00
Sábado e Domingo: 10h00 – 13h00 / 15h00 – 18h00
Folha de Sala:
As Imaginações da Verdade¹
“Todos nós contamos histórias (...) Basta abrirmos a boca para, de uma forma geral, estarmos já a dizer alguma coisa que pode fazer parte de uma história. Alguns vão ainda mais longe e inventam o mais possível, imaginando como seria se isto ou aquilo acontecesse, o que seguiria depois, o que podia acontecer (...). Na verdade, não se podia viver se não se estivesse constantemente a utilizar pequenas histórias.”²
Em mais uma edição desta Festa da Arte em Rede da Região do Alentejo, à qual novamente nos juntamos com entusiasmo, na certeza da relevância e consequência da sua realização bienal, gostaríamos de iniciar esta folha de sala com uma breve consideração relativa à seleção de obras apresentadas este ano. Embora tenhamos imaginado um tema, e encontrado um título que pudesse servir livremente de fio condutor à receção e às múltiplas leituras possíveis, mantivemos, porém, o sentido delineado na primeira edição, o de trazer essencialmente artistas que passaram por Alvito, a vila alentejana que acolhe o nosso projeto e a nossa coleção, e que connosco realizaram, uma ou mais vezes, residências artísticas.
Dos trabalhos aqui presentes, apenas um decorre diretamente da experiência e do tempo vividos naquele lugar - o mural Fresco-Secco, 2014-2018, da Tatiana Macedo que viria, mais tarde, a dar lugar à obra homóloga também aqui exposta. A peça escultórica da Carla Rebelo precede a sua residência em Alvito, sendo testemunho do imediato interesse dos colecionadores por mapas e suas representações, e expressão da vontade determinação em acompanhar o percurso de alguns jovens artistas. A peça da Carla Cabanas, que sucede em alguns anos a sua residência em Alvito, foi produzida no contexto de uma exposição individual da artista, realizada em 2023, no Espaço Adães Bermudes. Os desenhos e os livros de artista da Bárbara Fonte, embora revelem uma estreita relação de continuidade com o trabalho produzido na residência, em 2022, compreendem aquisições recentes, bem como a instalação do Tiago Rocha Costa (residência realizada em 2023), obra/encomenda, em parte motivada por este momento festivo, sendo consequência, ainda que simbólica, do papel dos colecionadores no estímulo à produção artística e à sua consequente divulgação.
Duas exceções, as obras de João Penalva e de Vasco Araújo, nomes já amplamente reconhecidos no contexto da arte contemporânea, surgem nesta mostra por razões que divergem das anteriores; evidenciando em ambos os casos uma relação subtil e ambivalente com a temática da memória-imaginação-ficção, matéria que nos é cara e que perpassa, de modo óbvio ou apenas pressentido, pelas diferentes obras aqui expostas, Penalva e Araújo, surgem ainda como ilustres representantes de um conjunto de artistas com particular destaque na coleção, sustentado no gosto dos colecionadores e nos seus modos de ver. Por todos e para todos eles, a nossa incessante curiosidade, simpatia e agradecimento. Uma última nota para o pequeno texto que acompanha a exposição - o convite dirigido ao João Oliveira Duarte para que pensasse e escrevesse algumas palavras para esta folha, com a garantia da sua total liberdade para aproximações e desvios, e que servisse, sobretudo, a vontade de explorar outras possibilidades da relação do texto com a imagem, inseparáveis territórios de fronteira…
Mariana Marin Gaspar
¹O presente título copia o nome de uma obra poética (1985) de Paulo Teixeira.
²Ted Hughes, O Fazer da Poesia, trad. Helder Moura Pereira, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002, p.119.
Mapas, Caixas, Ausências – ficções e fantasmas
"Algures,
No lugar
Mais frio
Da memória"
Carlos de Oliveira
– Imagina o espanto, mas também o gesto calmo e paciente que tenta devolver qualquer coisa há muito perdida para a memória, que tenta entrelaçar os tempos, a mão num gesto repetido – a vida também ela repetida –, seco, rápido, uma pequena caixa cheia de fantasmas, uma história ouvida, incerta, frágil, perto do fim, do esquecimento absoluto, do branco onde embate a recordação, onde já nada sobra.
– É isso o inesquecível, desde sempre perdido ou nunca dado a memória alguma, que se reconstitui impossivelmente de memória, como se costuma dizer, de memórias, de forma ao mesmo tempo imprecisa e rigorosa, descrevendo com exatidão e minúcia um lugar deixado vazio, descrevendo-o, a esse vazio, a essas cinzas, dando-lhe uma forma frágil, um conjunto de imagens cuja ordenação enfrenta sempre o perigo da queda.
Mas além de qualquer memória só se encontra o vazio de onde esta parte, a ausência, não se encontra nada, imagens de que sobram apenas uma moldura, um lugar por ocupar, um mapa traçado a rigor, o gesto apostado em reconstruir pacientemente tudo o que aconteceu, tantos vazios por preencher, tanta falta, tanto fantasma de que não se consegue dar conta a comandar a mão e o gesto, uma história cheia de buracos, um objeto sem utilidade, como se viesse de muito longe, de uma distância indecomponível – e ele, no entanto, aqui tão perto. Cinzas e mais cinzas, matéria para nada, a ausência de fôlego a dar conta de um desespero minucioso, rigoroso. Percorrer, linha a linha, gesto a gesto, um mapa de onde se esvaziou todo e qualquer acontecimento, percorrê-lo de novo e uma vez mais, não ir além do pequeno mapa onde não se encontra nunca o que se procura.
– Há uma febre da memória que se pode declinar de diversas maneiras, umas mais acertadas que outras, todas certas ou todas erradas ao mesmo tempo, mas há uma possibilidade que parece seguir uma linha profícua: uma febre inerente à própria memória ou, dito de outra forma, uma memória febril, um estado febril, alterado, que captura tudo, inescapável Imagens ao mesmo tempo reais e fantasiadas, a imaginação a invadir o passado, a fantasia a criar o impossível, uma memória que não pára, irrequieta, que não consegue parar, que não encontra descanso, a tremer, corpo frágil entre a morte e a vida, pequena lâmpada que só devolve fantasmas, alucinações, imagens projetadas onde um segredo se deixa ver e se esconde – um arabesco, uma escrita de que se perdeu a chave, que já ninguém consegue ler, mas que se dá à leitura. O desfasamento é agora interior à própria imagem, é a distância dela própria a ela própria, a impropriedade radical que assume todas as formas possíveis, que esconde qualquer resposta – mas, ao mesmo tempo, dá todas as respostas, dá todas as respostas ao mesmo tempo. Perdido, fragmentado, há um rosto ou um corpo, há cinzas, há pequenas ficções, mapas e fantasmas.
João Oliveira Duarte
Sobre a Coleção Marin Gaspar:
Iniciada nos anos 80, a Coleção Marin. Gaspar tem como objetivo reunir um conjunto significativo de obras de jovens artistas portugueses, a que pontualmente se associou outros que iniciaram ou afirmaram as suas carreiras em fases anteriores. Conta ainda com alguns núcleos de artistas estrangeiros e expõe regularmente, tendo um programa de residências e uma linha editorial.