Coleção Millennium bcp
Artistas:
Ana Romãozinho
António Quadros
Alfredo Volpi
Artur Rosa
Francis Smith
José Malhoa
Júlio Pomar
Júlio Reis Pereira
Sofia Areal
Sonia Delaunay
Curadoria: Lourenço Egreja
Local: ESBE - Escola Superior de Biociências de Elvas
Horário de funcionamento:
3ª feira a 6ª feira: 10h00 – 14h00
Sábado e Domingo: 10h00 – 13h00 / 15h00 – 18h00
Folha de Sala:
Encanto e Folia, quatro séculos de festa na Coleção Millennium bcp
A exposição Encanto e Folia, quatro séculos de festa na Coleção Millennium bcp apresenta, no contexto do evento FARRA (festa de arte em rede da região do Alentejo), um conjunto de obras da coleção de arte do banco nas instalações da antigamente denominada Escola Superior Agrária - Quartel do Trem, atualmente designada por ESBE – Escola Superior de Biociências de Elvas. Este edifício, com início de construção em 1694 e conclusão em 1715, por determinação de D. Pedro II, foi um depósito e espaço de fabrico de apetrechos militares (trem), bem como uma cavalariça, tendo em 1998 sido afeto ao Instituto Politécnico de Portalegre. A sala, polivalente nos dias de hoje, pela sua natureza protetora, sóbria e sólida com paredes de mais de três metros de largura e tetos abobadados, reflete de certa maneira os valores de estabilidade e segurança da instituição bancária que tem vindo a integrar obras de arte de outras instituições bancárias e companhias de seguros portuguesas, contribuindo assim para a valorização do património artístico em Portugal.
A escolha das onze peças da Coleção Millennium bcp tenta refletir o espírito do evento: Uma FARRA, ou seja, uma festa que celebra a arte com alegria e folia, na qual mais de trinta instituições/coleções convidadas apresentam criações artísticas em diferentes espaços da cidade, ativando assim um percurso urbano de fruição dinâmica e de acesso a novos lugares e outras sensações críticas. O visitante poderá deambular de local em local em pura fruição estética e ter o privilégio de aceder a obras de arte e às respetivas curadorias.
A exposição é uma viagem temporal que inclui obras entre os séculos XVII/XVIII e a contemporaneidade, com trabalhos de artistas Portugueses ainda no ativo. O ato celebra tanto as variantes festivas da figura humana, como os géneros da natureza morta e da paisagem, integrando obras que exploram a abstração. A seleção resulta de um caminho traçado no âmbito da coleção, no sentido de se identificarem trabalhos que para além de refletirem o espírito de FARRA, pudessem ser apresentados a novos públicos, num contexto descentralizado que extravasa o circuito habitual de mostras de arte em Portugal.
Esta viagem inicia-se com uma obra profusamente colorida de um autor desconhecido (atribuída a Jan Van Huysum, 1682, Amesterdão, Países Baixos – 1749 Amesterdão): Natureza Morta, óleo sobre tela, século XVII/XVIII. O autor, mais conhecido na europa por realizar paisagens, especializou-se no seu país de origem, na produção de naturezas mortas. O seu processo de trabalho consistia em visitar centros de horticultura para se inspirar e realizar estas peças compostas frondosamente sobre madeira. Nesta obra, o autor apresenta-nos flores e frutas vibrantes acompanhadas de um esquilo e insetos, sobre o fundo de uma paisagem em que se vislumbra, num plano distante, uma montanha, composição que inegavelmente nos deixa num certo estado de encantamento.
Dentro desta linha festiva mas representando o tema da figura humana, a obra Fogaça em Leilão, óleo s/tela, 1904 de José Malhoa (1855, Caldas da Rainha – 1933, Lisboa), exibe-nos uma camponesa sorridente em grande plano que percorre uma escadaria, num ambiente de vila, envergando trajes festivos e carregando uma cesta de alça requintadamente decorada, a qual contém uma fogaça (pão tradicional) aparentemente para leilão de acordo com a legenda da obra. O artista, ao longo de toda a sua carreira, mostrou interesse por motivos populares e rurais, assim como por retrato e paisagem, sendo reconhecido com um notável naturalista.
Por outro lado, a peça Músico, óleo s/cartão, 1930, de Júlio Reis Pereira (1902, Vila do Conde – 1983, Vila do Conde) mais tardia que a obra anterior e claramente modernista nos seus traços expressionistas, apresenta-nos algo bem diferente: uma figura humana com a face pintada em várias cores com um chapéu alto vermelho, evocando talvez a personagem de um arlequim. Com uma paleta variada e um plasticismo anguloso, surgem uma guitarra, uma estrela, várias flores, uma coluna clássica e uma máscara africana. Claramente uma festa cromática em movimento.
Com uma temática e formato muito diferentes, também por ser bastante mais pequena, mas igualmente festiva, o trabalho 14 de Julho, Barco Engalanado St. Jean-de-Luz, óleo sobre tela, sem data, de Francis Smith (1881, Lisboa - 1961, Paris, França), revela uma embarcação decorada com bandeiras entre os dois mastros, ocupando predominantemente o espaço pictórico da pequena tela. Percebemos que a embarcação está atracada numa zona de um rio, com uma cidade em pano de fundo, onde uma multidão parece celebrar o dia 14 de Julho. Como este autor Português viveu em Paris a partir de 1907, talvez esta imagem da embarcação tenha sido inspirada neste dia festivo francês, passado nas margens no rio Sena.
Dentro de uma abordagem mais abstrata, mas nunca deixando a realidade popular Brasileira, Eduardo Volpi (1896 Lucca, Itália - 1988 São Paulo, Brasil) com a obra Bandeirinhas, óleo sobre tela, c.1970, é sem sombra de dúvida um artista modernista que se especializou em composições coloridas e abstratizantes. Apesar de ter começado o seu trabalho, representando a natureza, as bandeirinhas festivas, vernaculares e lúdicas são claramente a sua assinatura mais importante e reconhecida. Volpi desenvolveu um extenso trabalho no âmbito da sua perceção da cultura popular brasileira e dos ambientes festivos da classe operária Brasileira do seu tempo.
Na continuação de um discurso que procura a abstração, a obra Les Jouets Portugais, serigrafia, 1916-70 de Sonia Delaunay (1885 Hradyz´k, Ucrânia – 1979, Paris, França), mostrada nesta exposição, tem como base uma pesquisa sobre o tema dos círculos órficos (relativa ao Orfismo) que a artista e o seu marido, Robert Delaunay (1885, Paris, França – 1941, Montpellier, França) desenvolveram em períodos anteriores. Estes círculos coloridos eram representados de forma abstrata, mas colhendo a referencialidade dos objetos. Como o casal visitou Portugal de 1915 a 1917 e pelo título da obra, podemos perceber de imediato a presença de alguns brinquedos que são apresentados de forma interlaçada, encantadora e festiva. Claramente evocando uma ideia de um jogo lúdico.
Na obra Homenagem a Josef Albers (17/40), serigrafia, 1972 de Artur Rosa (1926, Lisboa – 2020, Lisboa) já poderíamos encontrar uma abstração total, no contexto dos estudos cromáticos realizados por Josef Albers (1888 Bottrop, Alemanha-1976, New Haven Conneticut, E.U.A.). A composição demonstra um particular interesse pela dimensão cinética dos elementos geométricos, o que a coloca entre um certo Construtivismo e uma aproximação à Op Art. De fato a peça é estática, todavia contém a ilusão de movimento em espiral conseguido através das formas geométricas e das variações da paleta. De evidenciar que este aspeto cinético esteve sempre muito presente nos seus trabalhos escultóricos de arte pública.
Seguindo o nosso percurso festivo e já nos anos 80 do século passado, a obra, Mascarados de Pirenópolis n.º 15, óleo sobre tela, 1987 de Júlio Pomar (1926, Lisboa – 2018, Lisboa), exibe uma difusa figura humana a cavalo, contendo toda a imagética da celebração colorida dos Mascarados. Esta festividade é uma manifestação popular que acontece durante o evento das Cavalhadas, na Festa do Divino Espírito Santo, em Pirenópolis, Goiás, Brasil. As pessoas, usando roupas extravagantes e máscaras zoomórficas, de animais como o boi e a onça, saem à rua montadas a cavalo ou mesmo a pé, fazendo algazarras pela cidade e dançando nas casas em que, para isso, são convidadas.
De forma absolutamente abstrata a obra S/Titulo, óleo sobre tela, 1985, de António Quadros (1933, Viseu – 1994, Santiago de Besteiros) revela-se no exercício de uma grelha obsessiva feita de pequenos retângulos coloridos que origina um acentuado magnetismo ótico, evidenciando um certo push and pull do espaço pictórico. Dependendo do olhar, podemos encontrar um primeiro plano e nalguns casos um segundo plano. Uma poesia de cores e formas. Esta técnica foi a marca pela qual o artista ficou mais conhecido na pintura nacional.
Voltando à praxis da abstração, na peça S/titulo, acrílico sobre tela, 2007, Sofia Areal (1960 Lisboa - ) inscreve uma composição alegremente gestual, na qual desenvolve uma série de círculos que se interlaçam, criando um espaço pictórico que poderíamos relacionar com uma flor de grandes pétalas sendo que, nas suas palavras o seu trabalho expressa-se pela ligação à natureza e às suas emoções. Pelas cores e pelo gesto, estamos perante uma obra cheia de movimento e de folia!
Continuando no discurso abstrato da exposição, com a apresentação de uma obra adquirida no âmbito do concurso Arte Jovem: Ludografia #13, 2020, técnica mista, de Ana Romãozinho (1996, Lisboa - ). A peça pertence a uma série em que a artista desenvolve uma matriz que varia de acordo com as regras de um “jogo”. Trata-se de formatos iguais para técnicas diferentes. Este jogo foi inspirado no livro Lex Jeux et les Hommes de 1957 do sociólogo Roger Caillois, no qual refere a importância do Hommo Ludens, no sentido de propor o estudo da sociologia a partir do jogo, plano do lúdico muito presente e fundamental para a evolução da espécie humana.
Terminamos assim, a nossa deambulação pela coleção da Fundação Millennium bcp com a ideia de que na FARRA necessitamos de andar para nos encantarmos e interiorizar o evento. Tanto de obra em obra, como pela cidade e à descoberta de uma aventura situacionista no qual “la ciudade era um juego que podia utilizarse a plácer, [...] experimentar comportamientos alternativos ... perder el tiempo útil com el de transformalo en um tempo lúdico construtivo”
Lisboa, 2024
Lourenço Egreja