Projeto Travessa da Ermida
Artista: Sandra Baía.
Curadoria: Paulo David
Local: Paiol Nossa Senhora da Conceição
Horário de funcionamento:
3ª feira a 6ª feira: 10h00 – 14h00
Sábado e Domingo: 10h00 – 13h00 / 15h00 – 18h00
Folha de Sala:
| cobrir, para vestir de novo, todo o material do lugar |
Um projecto começa sempre com uma conversa, um diálogo, um escutar o sítio,
conversar exige conhecer.
Começamos a nossa conversa, num outro lugar das nossas vidas que frequentamos, Lisboa. Num café distinto, preenchido de um burburinho dominante que o caracteriza como espaço antigo e resistente. É enriquecido pelo toque das toalhas brancas que vestem os tampos invisíveis das mesas, sendo o recetáculo, onde nos acolhem. Juntamente, na sua interlocução das coreografias dos garçons, também adequadamente vestidos com um casaco de tecido branco, é desenhada a intensidade do espaço.
Este hábito de forra, que nos acompanha ao longo dos tempos com matéria têxtil, fina ou espessa, protegendo e adoçando o corpo, é também a construção da possibilidade para uma (in)visibilidade.
O que começa com uma conversa rapidamente se torna em algo mais e é nesta dualidade, do projecto e do ser, que se desenha a digressão do processo.
Sandra Baia interessa-se pela pesquisa que refere, essencialmente, à escultura, nas suas mais diferentes formas de relação.
Tenciona novos e vigorosos corpos, onde a capacidade de revelação do lugar e dos sítios desperta um atento olhar o mundo. Há sempre uma arquitectura e uma escultura, que se tocam num desejo maior de sutura. Assume-se neste intrometer, para o domínio do espaço, da matéria e dos seus limites.
Interessa-se na essência, pelas diferentes formas de relação que os seus corpos encontram com outros corpos. Na forma do seu contraste, não somente pela pureza da geometria, mas também pela surpreendentemente des-materialidade que estas constroem. Peças que são corpos, que desenham reflexos e movimentos, de quem pára, e repara, e de quem vê e observa. Vai além da contemplação visual; acionam o apelo ao tato, numa comunhão direta do corpo com a matéria objeto.
Para esta intervenção em Elvas, Sandra Baia começa por falar-me no seu ato primeiro - o “escutar do sítio”- e realça a sua inquietação na evidência de um percurso impossibilitado, no contexto da cidade e da decorrente invisibilidade do Paiol da Nossa Senhora da Conceição, na atual utilização deste lugar - cidade .
Hoje, não nos é possível percorrer este espaço, estando oculta a sua vivência. É no modo de perguntar que trabalha o fundamento da intervenção.
A cidade de Elvas possui “um desenho único e singular”, perpetuando até aos nossos dias; que conserta “a leitura desses mesmos tempos”. O Paiol, localiza-se, “litoral”, fronteiriço entre muralhas e é quase invisível como inscrição de defesa, desenho que se impõe, uma “peça invicta na teia de fortalezas”.
Foi desenhada assim na exatidão do seu tempo. A arquitectura conserta na sua ação transformadora, a compreensão do tempo e do espaço, construindo-se com sentido.
Sandra Baia, agencia em Elvas, esta ideia de que a escultura pode accionar, um alerta, de um tempo e para um tempo, que nos permite compreender com exatidão o valor dos lugares.
Ocultando um corpo, por si só, invicto, cobrindo-o com material externo, um “lenço” monocromático, escuro e enigmático, estabelece-se no imediato uma estranheza e é neste estado que propõe um diálogo crítico com a invisibilidade, que esposa as coisas visíveis do lugar não percorrido.
Sabemos que um lugar é feito de muitos tempos. Os edifícios constroem-se para esta intensa e útil possibilidade, de travessia de tempos. Os que furam muitos tempos, gosto de designar, como sustentáveis, pela sua inscrição de resistência. Produzem a capacidade de serem reprogramados, conservando-se fisicamente intactos.
Na espessura deste tempo, a Sandra Baia parece-lhe fundante a porosidade deste lugar, deste corpo, da muralha, revertendo o seu ato ancestral de defesa e expondo a sua inacessibilidade propositada.
Esconder, para despertar o olhar e convocar a desmemória do tempo das balas, não danificando, cobrindo de novo, como quem veste um corpo; dando sentido e proteção a um lugar que se quer percorrível hoje.
É neste diálogo que Sandra Baia denuncia a sua interlocução, arquitectura, escultura, tempo, espaço, movimento, como manifestação humana, para um preciso estetizar do modo de olhar.
...visualizando os seus lugares, como forra de proteção…
Paulo David
Sobre o Projecto Travessa da Ermida
Travessa da Ermida é um projeto orientado pela valorização do património histórico e pela dinamização do tecido artístico e cultural contemporâneos, através do diálogo entre as memórias do passado e os vários domínios das artes visuais e performativas contemporâneas, com uma atividade experimental que visa a sua conexão com diversos públicos.