Spirit Shop
Artistas:
Basel Abbas e Ruanne Abou-Rahme
Joana Escoval
Nikolai Nekh
Carolina Pimenta
André Sousa
Maria Ventura
Curadoria: Pedro Barateiro;
Locais:
Horário de funcionamento:
3ª feira a Domingo: 10h00 – 12h30 / 14h30 – 19h00
Casa da Guarda - Portas de Olivença
Horário de funcionamento:
3ª feira a 6ª feira: 10h00 – 14h00
Sábado e Domingo: 10h00 – 13h00 / 15h00 – 18h00
Folha de Sala:
Door frame - Ombreira da porta
Sempre fui obcecado por ombreiras de portas. Penso que são a derradeira escultura. Cada ombreira é, de facto, uma escultura invisível. A sua presença é constante. Sempre que passamos por baixo ou através de uma, algo acontece. Entramos numa sala, chegamos a uma situação, encontramos os nossos entes queridos ou os nossos colegas. Esse momento é sempre especial. Talvez nos tenhamos habituado demasiado, mas o momento está lá, é sempre uma celebração, um ritual. Celebramos a presença, o movimento, a passagem do tempo, a chegada e a partida de um lugar. Por vezes, temos medo de passar pela ombreira da porta do dentista ou do médico. E quantas vezes nos encostamos à ombreira da porta no meio de uma discussão com os nossos parceiros ou com os nossos pais. Talvez nos tenhamos esquecido do tamanho destas portas quando éramos crianças com as pequenas mãos apoiadas, portais para outra dimensão. As portas e as ombreiras são as testemunhas. Dão-nos uma noção de escala, do que significa ser um indivíduo, das divisões do espaço e do tempo, do privado e do público. São fronteiras, refletem sistemas de classe, níveis de privilégio, e a tomada de decisões.
A exposição que organizei para a Spirit Shop considera, desta vez, a localização específica de Elvas como um ponto estratégico na fronteira de Portugal. A cidade foi construída como uma fortaleza para definir as fronteiras do país durante muitos séculos. Elvas é uma cidade onde a história está ligada a ataques e violência, aquilo a que alguns chamam estratégias de defesa. Os dois fortes que "enquadram" a cidade (ela própria uma fortaleza) têm túneis e passagens escondidas que serviam para enganar o inimigo, construções militares edificadas para proteger as linhas que definiam o país quando a política não funcionava. Elvas é um monumento à resistência, um símbolo da ocupação e do que é preciso fazer para definir estas fronteiras.
As fronteiras são locais de tensão. Podemos senti-lo neste momento específico da nossa história com as guerras na Europa de Leste e no Médio Oriente com o ataque brutal de Israel à Palestina e o genocídio em curso da sua população. O que aprendemos é que as linhas que definem as fronteiras não são linhas, são decisões políticas baseadas em atos de violência. Reivindicam o território como a coisa mais importante que existe. A posse de terra continua a ser a mais forte reivindicação de poder. A necessidade de ter propriedade e o apego a um espaço, seja qual for o objetivo, continua a ser o motor de muitas pessoas. A propriedade fundiária continua a ser o soberano e o criador de poder. O que é preciso para alargar as fronteiras e quantos têm de sofrer?
Enquanto território, Portugal vive o constante retrocesso do ímpeto da sua expansão além-fronteiras desde as campanhas coloniais. Mas, hoje, a economia rural alentejana desenvolve-se silenciosa, mas seguramente, com o investimento estrangeiro, tornando cada vez mais definidas as fronteiras do privado e do público. As portas que antes estavam fechadas estão agora totalmente abertas, pelo menos para visitas turísticas e investimentos. Estamos a viver a projeção e o retrocesso da nossa vontade de conquista. A ocupação colonial de Portugal desde os primórdios do capitalismo moderno regressa agora como um feitiço ou um encantamento.
As fronteiras de Portugal foram definidas por reis e governantes que acreditavam e contavam com a ajuda do clero e da igreja católica. Dizia-se que as terras eram atribuídas por um dom divino. Mas os livros eram acessíveis a poucos. O mundo rural era retratado como um lugar para os incultos, o trabalho duro na terra para aqueles que não estudavam. Uma completa mentira que separa a nossa compreensão dos meios de produção. Mas a cultura vem diretamente da agricultura: cultivar algo.
Do outro lado da porta, da ombreia da porta, há sempre algo que não sabemos, o inesperado. Se as motivações são conduzidas pelo medo, então demonizar os outros é sempre uma proteção. Muitas formas de crença, como a religião, sempre foram uma forma de enquadrar outras culturas. Os dogmas da igreja católica dominaram durante séculos a produção de manifestações culturais em Portugal, reduzindo e bloqueando muitas outras culturas e crenças.
Os portugueses continuam a não saber o que é cultura. Anestesiados por canais privados de televisão que criam uma constante sensação de medo e instabilidade, este velho país é moldado e vampirizado por uma constante crise de identidade, forjada por um regime fascista recente que conseguiu criar um sentido de conjunto, um sentido de proteção e semelhança, um falso sentido de igualdade. A falta de curiosidade é sistémica. Culturalmente, Portugal sempre foi um país com uma classe dirigente pouco instruída, o que faz dele um espaço perfeito para ladrões e vigaristas, atraídos pelo circo. Passar a fronteira e procurar um futuro melhor fora do país foi sempre uma solução rápida, e continua a ser.
O tecido cultural contribui para as discussões e para a decoração dos domínios público e privado, por vezes esbatendo as linhas, mas ainda sem sucesso para efetuar uma mudança mais profunda. Há algumas portas que temos de atravessar. Por vezes, precisamos de pôr o pé na porta para podermos olhar para o outro lado. Hoje em dia, muitas destas passagens são feitas sem a presença do corpo, podem ser os ecrãs dos nossos telemóveis e computadores portáteis a repetir os mesmos mantras de autoajuda. A superficialidade lidera a era da distração. A educação está sempre a ser silenciosamente ameaçada por esta confusão de sons, imagens, discursos vazios. Nunca me esquecerei de que tivemos de ensinar a um primeiro-ministro e à sua ministra da Educação que não devíamos pagar mais do que o devido para ir à escola. Há muitas coisas que nos ensinam que estão erradas. Temos de as ver do outro lado da porta e não devemos ter medo de a atravessar.
PB, Abril 2024
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